Além dos propalados benefícios do etanol (o álcool combustível dos automóveis), há também pontos negativos em sua produção e uso que devem ser considerados, para que alguns dos mesmos erros não sejam cometidos neste novo ciclo de biocombustíveis em que estamos entrando. Já vai para 30 anos que o visionário engenheiro Bautista Vidal, muito à frente de seu tempo, pôs em andamento o embrião de um projeto de biocombustíveis em plena crise do petróleo, quando secretário de Tecnologia Industrial do governo Geisel. Tendo sido afastado do poder, seu projeto foi solapado de diversas formas e, como não pôde ser destruído, foi desvirtuado ao extremo, restando, do plano inicial, apenas o Pró-Álcool, com todos os vícios que conhecemos. Como grande humanista, sempre procurando integrar as soluções energética, ambiental e social, Bautista não pretendia que o cultivo de cana-de-açúcar e a produção de álcool assumissem o caráter altamente concentrador, poluidor e excludente verificado hoje. Concentrador, porque baseado em latifúndios e grandes usinas, ambos nas mãos de poucos. Poluidor pelo uso intensivo de fertilizantes e agrotóxicos, além da produção do resíduo vinhoto, que ainda é problemática, apesar dos avanços em seu tratamento. E excludente por apoiar-se na exploração do trabalhador braçal, sendo vários os problemas envolvidos neste item, como as péssimas condições de trabalho, pagamento irrisório e exigências de produtividade desumanas (que já levaram trabalhadores ao óbito). Há atualmente duas vertentes na onda de interesse nos biocombustíveis: a da expansão significativa na produção de etanol e a do biodiesel. Quanto à primeira, os sinais de movimentação no setor são claros. São interesses de países estrangeiros na sua produção e importação, declarações ministeriais, simpósios e encontros, promoção do produto no exterior e por aí vai. Porém, embora o assunto já tenha sido tratado por mim nesta coluna em diversas ocasiões (mais recentemente na edição nº 499), ele sempre nos reserva surpresas. Por exemplo, chegam notícias da Comissão Pastoral da Terra de Pernambuco (CPT-PE) de que os canaviais do estado estão avançando para dentro ou para muito perto dos manguezais da região. Como se não bastasse o tanto que os ecossistemas costeiros já vêm sofrendo nos últimos anos com a especulação imobiliária, a construção de marinas e o crescimento desmesurado das fazendas de camarão, agora têm que lidar também com a drenagem de pesticidas, fertilizantes e subprodutos para seu interior. Mas não há razão para que o modelo seja necessariamente este. Poderia haver rigorosos controles dos problemas sociais e ambientais. Ferramentas para isto existem. O grupo de trabalho em energia do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), que congrega mais de 500 entidades, formulou um documento com critérios e indicadores de sustentabilidade para o uso de energia proveniente de biomassa (quem tiver interesse pode acessar o texto completo em http://www.fboms.org.br/gtenergia/bioenergia.pdf). Mas pelo menos uma parcela dos atuais promotores do etanol parece não gostar de discutir problemas sociais e ambientais. Ainda da CPT-PE, relataram-me que, durante recente reunião de promoção do etanol na Suécia, houve certa aspereza e ironia por parte dos promotores ao se tentar discutir o documento do FBOMS. É por essas e outras que pouco há que se esperar de avanços sociais e ambientais nesta vertente, muito pelo contrário. Mudar o modelo, sem uma revolução no campo que preceda a estas mudanças, é politicamente inviável na atualidade, dada a força e penetração política do agronegócio no Brasil, especialmente dos setores mais fortes como álcool e açúcar, soja e pecuária. Quanto a mudar a mentalidade de latifundiários e usineiros, é mais fácil passar um caminhão de cana pelo buraco de uma agulha. O programa do biodiesel, por outro lado, apesar de extremamente tímido, aparentemente começou um pouco melhor, com um lado sócio-ambiental mais forte (a despeito de claras campanhas contrárias a esta face do projeto por alguns veículos da grande imprensa). Há, porém, que se tomar muito cuidado para que uma boa idéia original não se transforme numa repetição do que aconteceu e acontece com o álcool combustível. Portanto, o etanol (ou qualquer combustível derivado de biomassa) pode ser tanto herói, quanto vilão, dependendo do foco da análise que for feita e de como for produzido e utilizado. Cabe a nós pressionarmos o poder público e agir para que ele cresça mais para o bem do que para o mal. autor: Rogério Grassetto Teixeira da Cunha, biólogo, é doutor em Comportamento Animal pela Universidade de Saint Andrews.
FONTE:http://www.cmqv.org/website/artigo.asp?cod=1461&idi=%201&moe=212&id=2640
|
quarta-feira, 5 de agosto de 2015
Etanol: herói ou vilão?
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário ou dúvida será encaminhado para meu e-mail. Responderei assim que possível.